A sociedade portuguesa caminha rumo à igualdade racial?

Neste Dia Internacional dos Afrodescendentes, entrevistamos o Coletivo Afreketê e as especialistas Camila Andrade, e Gessica Correia Borges, para saber em que ponto estamos na luta pela igualdade racial no mundo, mas especialmente em Portugal.

Perguntado se “No Dia Internacional dos Afrodescendentes há o que se comemorar em Portugal?”, o Coletivo Afreketê respondeu:

– Infelizmente, em Portugal não há razões para comemorar conquistas da população afrodescendente. Continuamos não sabendo quantos somos, onde vivemos, em quais condições e assistidos (ou não) por quais direitos. Não sabemos em que setor da economia trabalhamos, nosso nível de escolaridade ou quanto das nossas produções artísticas e intelectuais encontram os canais de difusão do conhecimento que produzimos. 

Findo o período decretado pela ONU como a década dos Afrodescendentes (2015 – 2024), são escassas as iniciativas nacionais efetivas para o reconhecimento dos direitos dessa parcela da população. O proclamado objetivo de aprofundar ações contra a discriminação e os legados do passado colonial, e trazer o pleno reconhecimento desse segmento da população, foi atropelado pela crescente onda de racismo e xenofobia dos anos recentes.

Não produzirmos estatísticas sobre nós contribui para o prolongamento das desigualdades no país. Enquanto não tivermos elementos factuais que permitam identificar o racismo em Portugal, não poderão ser concertadas medidas para enfrentar o problema. Uma democracia forte é aquela que trata todos os cidadãos com direitos iguais. A violência física e simbólica presente nas instituições portuguesas é uma ruína colonial que fragiliza a sua democracia.

Entendemos, entretanto, que o Estado, sendo o protagonista das medidas mais importantes para o enfrentamento do problema, não é o único agente a ser mobilizado. Por isso, enquanto sociedade civil assumimos o papel estratégico de cobrar respostas concretas que nos permitam, em um futuro próximo, identificar esta, como uma sociedade efetivamente democrática e igualitária. Por isso, assumimos a responsabilidade em opor resistência à crescente onda de fascismos na Europa, a partir de lutas genuínas em prol de um outro mundo, que, não só é possível, como também necessário.

A nossa luta é por um mundo mais solidário e socialmente justo, para que todas as pessoas tenham a possibilidade de viver uma vida digna.

Perguntada se “Estamos fazendo algum progresso rumo à igualdade racial?”, Camila Andrade respondeu que:

– De certo modo, sim. Eu uso do “de certo modo” porque, à medida que caminhamos para uma maior igualdade racial, há ondas de conservadorismo que desfazem ou travam o trabalho que estava sendo feito, como as ondas de conservadorismo na Europa. Mas, se olharmos para a historicidade, sem dúvidas caminhamos por avanços em termos de inserção da população negra na sociedade. Como exemplo, o Movimento Negro Unificado (MNU) e outras organizações voltadas para a questão racial no Brasil fizeram (e continuam fazendo) importantes reflexões e posicionamentos que pressionam para não retrocedermos em abrir oportunidades e garantir a segurança destas pessoas.

Já Gessica Borges apontou que o caminho é inconstante:

– Se considerarmos apenas o contexto português, é possível dizer que sim, embora os avanços aconteçam a passos lentos, e sempre acompanhados de retrocessos.

Há iniciativas institucionais sendo lançadas (como a criação da CICDR, ainda deficiente), embora claramente a questão da discriminação racial e a xenofobia em Portugal claramente não são uma prioridade política.  

Quando perguntada se “A sociedade portuguesa está aberta para falar sobre racismo?”, Gessica respondeu:

– De forma geral, Portugal como “nação” ainda reluta em enfrentar o seu passado colonial e o seu papel no comércio transatlântico de pessoas escravizadas que, ao contrário do que a maioria das pessoas podem pensar, têm efeitos devastadores sobre comunidades minorizadas e racializadas até hoje. Segundo um inquérito do INE de 2023, por exemplo, as pessoas que se identificam como ciganas e negras são, respectivamente, o primeiro e segundo grupo que se diz mais discriminado no país.

Ao mesmo tempo, embora já existam no país há mais de um século, iniciativas antirracistas têm ganhado nova força na última década, unindo forças de ativistas, coletivos migrantes, acadêmicos e dezenas de organizações formais e informais que continuam a fazer pressão para mudanças. 

O primeiro passo, ou seja, reconhecer o caráter estrutural e sistêmico do “Racismo à Portuguesa”, está sendo forçado pelas comunidades minorizadas que aqui vivem e resistem, sem volta a dar.  A luta continua, e todo apoio é bem-vindo.

 Sobre “Como podemos construir uma sociedade antirracista?”, Camila Andrade respondeu:

– Eu acredito muito no poder da educação. Desmantelar a colonialidade do saber e poder, pilares estes construídos para a manutenção de uma superioridade europeia-branca-patriarcal, é necessário para termos formas plurais de conhecimento e perspectivas de vida. A partir disso, conseguimos entender que somos mais do que ‘nacionalidades’ vivendo entre fronteiras, mas pessoas que têm o potencial de construir e reconstruir experiências e ambientes inclusivos e de pertencimento para todas as pessoas.

Esta entrevista foi realizada com a colaboração de Camila Andrdade, do Coletivo Afreketê e de Gessica Correia Borges.

Camila Andrade está “desenvolvendo o Pós-Doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais na UFPB, com o projeto “Decolonizando as Relações Internacionais no Brasil”. Research Fellow no Institute for Pan-African Thought and Conversation (IPATC), da Universidade de Joanesburgo. Doutora em Ciência Política pela UFRGS, com Doutorado Sanduíche na Universidad Nacional de Rosario (UNR).”

“O Coletivo Afreketê é um grupo de pesquisadoras independentes, fundado em 11 de setembro de 2020, no Porto. Somos todas mulheres migrantes e focamos nossas ações em pesquisa participativa e militância, promovendo e participando de protestos e eventos que defendem o anticolonialismo, o antirracismo, o anticapitalismo e feminismo. Nossas atividades também incluem colaborações com outros coletivos, organização de eventos culturais e políticos. Além disso, buscamos utilizar linguagens artísticas como meio para abordar e comunicar nossas questões políticas.”

“Gessica Correia Borges é brasileira, paulistana, nascida e criada na periferia do Grajaú, e vive no Porto desde 2017. É comunicadora social, mestre em Estudos Africanos, e poeta de coração. Faz parte de coletivos e associações antirracistas portugueses como a União Negra das Artes (UNA), e atualmente é doutoranda pela Universidade do Minho (Braga) com pesquisa voltada para atuação de mulheres negras e ativistas nos meios de comunicação.”

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