Atifa é uma ativista afegã que luta pelos direitos das mulheres – era professora numa escola secundária feminina em Cabul e também estudante de medicina. Quando os talibãs tomaram o poder, Atifa, incluindo outras mulheres, protestaram e denunciaram a situação, o que resultou em sérias ameaças e riscos para as mesmas. Atifa acabou por conseguir vir para Portugal.
Z: Bom dia, Atifa. É um prazer recebê-la aqui.
A: Olá, obrigada por me receber.
Z: Atifa, pode-me falar sobre quem é e qual é a situação atual das mulheres no Afeganistão?
A: Eu era professora de matemática numa escola secundária feminina no Afeganistão, em Cabul e ao mesmo tempo também era estudante de medicina. Quando os Talibãs tomaram o país, eu estava a ensinar meninas do 12º ano. As minhas alunas estavam prontas para fazer o exame para entrar na universidade. Elas estavam entusiasmadas pela possibilidade de saírem do secundário e visitarem novas cidades, novos ambientes. E de repente, os talibãs proibiram-nas de irem à escola, todas as meninas, por todo o país. Nos primeiros dias, eu recebi muitas mensagens das minhas alunas que me perguntavam quando é que a escola/curso seria reaberto e eu não tinha nenhuma resposta. Gradualmente as meninas começaram a ficar desapontadas e deprimidas porque estavam a preparar-se para o exame de entrada da faculdade, o kankor, e de repente foram proibidas. Elas estavam a preparar-se para entrar na universidade nas áreas de medicina, engenharia, ciência da computação, economia, direito, etc. Então decidi tomar uma posição e com outras mulheres, tornamos-nos a voz de centenas de alunas contra os Talibãs. Organizamos vários protestos contra os Talibãs a apelar pelos direitos básicos de meninas e mulheres, como educação, trabalho e liberdade, mas os Talibãs nunca mudaram. As meninas estão proibidas de ir à escola há mais de um ano e meio… elas também estão proibidas de frequentar qualquer curso de educação académica, como cursos de inglês ou informática, e universidades também. É uma história muito triste para meninas e mulheres afegãs. As meninas estão também proibidas de ir a parques, a bazares, basicamente de sair de casa.
Z: É uma situação muito difícil, quando é que uma mulher pode sair então?
A: Só com acompanhantes homens. As mulheres não podem sair sem parentes homens. Fora de casa, deve haver sempre um parente do sexo masculino com elas. Por exemplo, uma mulher está doente e precisa de ir ao hospital, só pode ir realmente ao hospital se for acompanhada por um parente do sexo masculino. O mesmo acontece quando vai ao bazar, por exemplo, se ela precisa de comprar algo precisa de ir acompanhada e o seu rosto deve estar completamente coberto.
Z: Nesta situação, o que estão realmente a pensar neste momento? Como é que elas se estão a sentir? Ansiedade, confusão, depressão,…?
A: Na verdade, as pessoas não conseguem imaginar a situação de uma mulher afegã porque… Na minha geração, vivemos 20 anos num governo democrático e tivémos liberdade. Mas de repente, os talibãs vieram e proibiram a mulher de tudo, de sair, de ir trabalhar, de ir à escola, ir à universidade, ir ao parque, etc. Agora as mulheres são prisioneiras, estão presas, só que em casa. E é tão, tão triste…não consegue imaginar a situação.
Z: Os Talibãs não querem que as mulheres saiam, trabalhem ou estudem, qual a razão?
A: Na minha opinião, os Talibãs são apenas um grupo terrorista. Eles não querem que a mulher esteja na sociedade, eles só querem que uma mulher seja um material, uma propriedade, que fique apenas em casa. Direitos das mulheres? O que são direitos das mulheres? O que são direitos humanos? Eles não sabem nada disso.
Z: Segundo os Talibãs, eles respeitam os direitos das mulheres de acordo com o Islão. Comparando com tantos outros países islâmicos, nos quais a mulher pode trabalhar, estudar e fazer o que quiser, o que acha que há de diferente entre os talibãs e esses países?
A: Como sabemos, os Talibãs são um grupo terrorista, e não devemos esperar que um grupo terrorista saiba o que são os direitos das mulheres ou os direitos humanos, quanto mais respeitá-los. O principal desejo dos talibãs relativamente às mulheres é que elas não devem sair, nem que estejam presentes na sociedade em geral. Para eles as mulheres são propriedades que devem fazer o que o homem manda, mais nada.
Z: Os talibãs também têm família, como é que eles se comportam com as suas irmãs, esposa e mãe?
A: Mesmo nas suas famílias eles mantêm esse comportamento. Eles têm mães, irmãs e esposas e para eles, a mulher é e continuará a ser uma pessoa de segunda, para sempre tratada como propriedade pessoal do homem. Completamente controladas pelos homens de cada família, mães incluídas.
Z: Atualmente, para além dos direitos das mulheres estarem a ser ignorados, existem outras problemáticas presentes, para mencionar algumas, o saneamento/higiene das pessoas, a falta de emprego e por consequência, a pobreza aumentou drasticamente. Apesar destes problemas todos e comparando com outras crises mundiais, a crise no Afeganistão é raramente mencionada pelos media internacionais. O que acha que deveria ser feito para chamar a atenção do mundo para esta situação no Afeganistão?
A: O que eu realmente espero das pessoas de países ocidentais é que não se esqueçam do Afeganistão e especialmente da mulher no Afeganistão. Que não devem deixar a mulher do Afeganistão numa situação tão difícil como esta, que devem ajudar. E peço aos governos dos países ocidentais que, por favor, não reconheçam oficialmente o governo Talibã no Afeganistão até que haja mudanças e sejam restabelecidos os direitos das mulheres, que reabram as portas das escolas e universidades para meninas e deixem a mulher trabalhar. Essas coisas são tão básicas, coisas que os talibãs podem fazer pela mulher, mas não querem fazer. Eu peço aos países ocidentais que façam algo, que pressionem os talibãs para que estes nos devolvam os direitos.
Z: Obrigado Atifa por vir e partilhar o seu testemunho e as suas informações sobre a situação das mulheres e meninas no Afeganistão para além da situação geral do Afeganistão, foi uma honra.
A: Obrigada eu. Só espero que as pessoas, aqui no Ocidente, sejam sábias e escolham ajudar as mulheres no Afeganistão.