Como o tráfico de escravos alterou o comportamento dos tubarões no oceano atlântico

Sendo o maior deslocamento forçado da história, o tráfico de escravos afetou não só a vida na terra, mas também a vida marinha, que foi transformada pelo rastro de sangue deixado pelos navios negreiros.

Iniciado no século XVI, o tráfico transatlântico de escravos foi responsável por levar mais mão-de-obra aos territórios ocupados, uma solução encontrada para combater os desafios da escravização dos povos originários. 

 
Essa substituição parcial de força de trabalho se deu por diversas razões, dentre elas estava a diminuição da população indígena como resultado do contato com doenças novas trazidas da Europa. Havia também uma resistência dos indígenas em trabalhar para produzir excedentes, pois davam-se por satisfeitos ao produzir o que era necessário à comunidade. Além disso, o grande número de fugas e a alta lucratividade do tráfico transatlântico de escravos influenciaram essas mudanças.

Como eram os navios negreiros
 

O navio conhecido como “negreiro” era o tipo de embarcação utilizada para levar as pessoas escravizadas da África até a América.

 
Nessas embarcações, as vítimas, nuas e separadas por gênero, eram alocadas em porões divididos em três níveis, tendo cada nível cerca de 50 centímetros de altura, pelo que só cabiam sentadas ou deitadas, e imprensadas umas contra as outras cerca de 500 pessoas.

Nesses porões a temperatura podia chegar aos 55ºc e em viagens, que poderiam durar até 60 dias, as pessoas a serem escravizadas só podiam se lavar por duas vezes durante todo o trajeto.

Reprodução Slave Voyages.

A alta taxa de mortalidade

As viagens das pessoas escravizadas era extremamente difícil e causava um grande número de mortes devido às más condições enfrentadas em porões superlotados e sujos, onde recebiam uma quantidade insuficiente de alimentos. A tripulação e os reféns ainda eram assolados por diversas doenças como escorbuto e disenteria, e os suicídios não eram incomuns.

Além disso, não só os mortos eram lançados ao mar, pessoas vivas também eram arremessadas das embarcações como forma de punição e para intimidar os outros.

Segundo o autor Laurentino Gomes, cerca de 12 milhões de pessoas foram levadas da África neste período e somente 10 milhões e 700 mil chegaram ao destino, totalizando uma baixa de 1 milhão e 300 mil pessoas apenas durante o trajeto, já que nesses números ainda não estão contabilizadas as mortes em decorrência das duras condições de trabalho no destino, nem as mortes que ocorriam ainda na África durante o transporte do interior até a costa.

Um exemplo da alta mortalidade dessas travessias foi o caso do navio comandado por Félix Ribeiro, que partiu de Biafra, atual Nigéria, com destino à Salvador, em uma viagem que durou 40 dias. O navio levava 340 pessoas, das quais apenas 110 chegaram com vida.

Reprodução Slave Voyages.

 

A mudança na vida marinha

 
Estima-se que 14 corpos tenham sido lançados ao mar por dia ao longo de 350 anos. Essas mortes frequentes e em grande número acabaram por mudar o comportamento dos animais marinhos que passaram a acompanhar os navios na certeza de que se alimentariam de maneira fácil e abundante.

Portanto, o tráfico transatlântico de escravos foi tão brutal e sanguinário que acabou por alterar o comportamento de cardumes de tubarões que passaram a seguir os navios para devorar os corpos das vítimas.

E isso era só o começo de uma jornada que ainda seria marcada por violação, fome, castigos físicos, trabalho exaustivo, apagamento cultural e animalização da pessoa negra, que deixaria prejuízos até os dias de hoje.

Artigo escrito pela voluntária Andressa Gomes: licenciada em história, pós-graduada em relações internacionais e mestre em segurança e defesa. Brasileira e imigrante. Interessada em direitos humanos e apaixonada por aprender enquanto viaja. Atualmente vive no Porto, Portugal.


Referências

 

Daniel Neves Silva. Tráfico negreiro. https://brasilescola.uol.com.br/historiab/trafico-negreiro.htm 

 

Laurentino Gomes. A grande agonia da escravidão: quando cadáveres de raptados eram jogados no atlântico. https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/historia-grande-agonia-escravidao-transformou-o-atlantico-em-um-imenso-cemiterio.phtml


Laurentino Gomes. Escravidão – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmeres.

Slave Voyages: https://www.slavevoyages.org/voyage/ship#3dmodel/0/en/

 

Foto de capa: Joseph Swain, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

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