Portugal: 49 anos de Liberdade


Hoje, 25 de abril, comemora-se 49 anos do Dia da Liberdade, data histórica e simbólica para Portugal, pois marca o fim de um regime autoritário e o início de uma nova era democrática. A partir deste dia, abriu-se caminho para a restauração das liberdades fundamentais das pessoas portuguesas, como a liberdade de expressão, de associação, de imprensa e de voto. Também permitiu o fim da guerra colonial em África e a independência das antigas colônias portuguesas.

A história

Neste dia, em 1974, um grupo de militares descontentes com a situação política e social do país, liderados pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), realizou um golpe de Estado pacífico que derrubou o governo do Estado Novo, instaurado por António de Oliveira Salazar em 1933. O golpe ficou conhecido como a Revolução dos Cravos, porque os militares e os civis que saíram às ruas para apoiar a mudança colocaram cravos vermelhos nas armas e nos uniformes, como símbolo de paz e fraternidade.

Confira abaixo alguns testemunhos de pessoas que vivenciaram essa época.

Maria Elvira Madureira

No dia 25 de abril de 1974, minha família acordou cedo para mais um dia de trabalho. Morávamos em Moscavide, recém chegados de Angola e todos tínhamos rotinas e transportes para apanhar. O meu irmão Zé Madureira tinha ido apanhar o transporte para o centro de formação na Brandoa, a minha irmã Cândida e o Irmão Manel foram para o Restelo, o patriarca da família, militar, tinha saído para o Estado Maior na carrinha que servia de transporte para os militares que tinham de se apresentar e eu preparava-me para ir apanhar o transporte para o Liceu. 

Na época, tinha 19 anos e a RTP1 abria a emissão às 12:00 horas e ainda nada se sabia. O Rádio Clube emitia música clássica e não tinha ouvido qualquer noticiário. Apesar de estranhar a falta de notícias e o tipo de música, à medida que as horas passavam ouvi  algumas notícias (com poucos pormenores) sobre barreiras que impediam os transportes de avançar no Terreiro do Paço e pouco mais… o nervosismo começava a tomar conta de mim e quando a emissão da RTP abriu Fialho Gouveia dava as primeiras notícias sobre o Golpe de Estado e toda a movimentação das Forças Armadas.

Não pude ir para o Liceu, os autocarros voltavam e a ansiedade começou a tomar conta das pessoas. A minha família não tinha regressado a casa, todas as notícias avançavam a conta gotas, o Primeiro-ministro Marcelo Caetano estava retido, na sede da PIDE havia grande alarido com documentos a serem destruídos e funcionários a serem aprisionados e o Largo do Carmo a ser invadido por pessoas que desejavam participar e apoiar as Forças Armadas. À medida que as notícias iam dando pormenores do que estava a passar-se, a euforia tomou conta das pessoas e o receio desaparecera. 

O Rádio Clube que dava notícias e a música clássica deu lugar às Marchas Militares. A Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, e Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho eram ouvidas e muitos populares davam largas à sua alegria. Os que se refugiaram dentro de casa  (alguns colaboradores do Regime, informadores da PIDE ou da Legião Portuguesa) e que foram denunciados, foram ocupar as salas de interrogatório ou desapareceram e não se soube mais deles. 


Essa foto foi tirada tempos depois no Largo do Carmo onde os militares surgiam nas fotografias dos cidadãos e eram acarinhados tal qual “artistas”. Das muitas mudanças que o 25 de Abril trouxe, para mim a mais importante foi a Liberdade.

Em Angola não se notava tanto, pois as mulheres e raparigas saíam para conviver e falavam de vários assuntos que em Portugal da época eram tabu. As raparigas de família tradicional eram muitas vezes obrigadas a casar novas ou sem poder escolher uma carreira. As mulheres que ousaram ter voz ativa foram maltratadas e quando conseguiam algumas conquistas, tinham bens que lhes davam algum desafogo financeiro e por vezes a família era contra o regime e incutia-lhes valores que permitiam não serem vencidas pela ignorância.

Maria Assunção Lino

Acordei na manhã de 25 de Abril de 1974, com a notícia do golpe militar, dada por minha mãe, inquieta e preocupada. Lembro que saltei da cama gritando “finalmente a Revolução!”. Aluna do sétimo ano de um colégio de freiras de uma pequena vila do norte do país, tinha ouvido, pela primeira vez, do jovem professor das disciplinas de História e de Organização Política e Administrativa da Nação, críticas ao governo e à guerra colonial. Eu, que tinha à época, um irmão a cumprir o serviço militar obrigatório na Guiné, ganhei com esse corajoso estudante de Direito, o primeiro vislumbre da injustiça, violência e anacronismo dessa guerra. Em casa, os princípios “Deus, Pátria e Família” faziam sentido e, a partida do filho mais velho em cumprimento do serviço militar obrigatório, tinha o valor do sacrifício pela Pátria, o “Portugal do Minho a Timor”.

Vivi intensamente os primeiros dias da revolução, acompanhando todas as transmissões televisivas, vibrando com as imagens dos militares percorrendo as ruas de Lisboa, os civis pendurados nas árvores do Largo do Carmo, os gritos de liberdade, Salgueiro Maia, Sousa Tavares e o seu megafone, os comunicados da Junta de Salvação Nacional… Ao mesmo tempo, atenta às preocupações dos familiares mais velhos, receosos de eventuais confrontos violentos, de agitação popular que alastrasse pelo país todo. Como se sabe, estivemos perto de uma situação dessas, com o PREC, o verão quente de 1975, os atentados bombistas…

Tinha lido o livro “Portugal e o futuro”, do general António de Spínola, publicado no ano anterior, onde o então Governador da Guiné defendia que a solução do problema ultramarino não se alcançaria por um desfecho no campo militar, alertava para o perigo da persistência de uma conceção nacional, “de que é a opinião pública mundial que está errada que todos os nossos problemas resultam da cobiça ou da falta de visão de terceiros”. Spínola advogava uma federação de estados da comunidade lusíada, intercontinental e moderna, que, a mim, com dezessete anos, me parecia fantástica e exequível. 

Entretanto, Spínola, Presidente da Junta de Salvação Nacional, a quem o MFA entregara o Poder, foi afastado, iniciaram-se as conversações visando a independência das colónias, o meu irmão regressou, inteiro, da Guiné e tudo isso me pareceu bem. Em 1975 votei pela primeira vez, para a Assembleia Constituinte.

Estranha-se a escassa referência à liberdade? Com aquela idade e rebelde por natureza, eu lia livros proibidos a que tinha acesso por uma amiga cujo pai era culto e viajado, eu assumia que reagir às injustiças era marca de nascença, mas, que injustiças enfrentava eu, numa casa onde se vivia em paz e conforto, num colégio de freiras onde o maior desafio consistia em irritar as mais antipáticas? Eu ignorava a existência e o alcance da PIDE, a política não era discutida, as restrições à comunicação social, as leis castradoras dos direitos mais elementares das mulheres, a doutrinação da Mocidade Portuguesa, a prisão dos opositores do regime, tudo isso me era desconhecido.
Ouvia Zeca Afonso, Sérgio Godinho, lia Pessoa, Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Cardoso Pires e outros, mas não conhecia a realidade.

Bendita revolução!

Maria Guilhermina Coutinho

Tenho 89 anos de idade. Muitas gerações de alunos me passaram pelas mãos. Décadas fui vivendo de evoluções. O 25 de abril avançou. Estou feliz.



Lopo Antunes

25 de abril: surpresa e alegria. Guerra em Angola: tristeza, preocupação e medo. Fuga para Portugal: cortar com o passado, adaptar-me a um novo futuro.

HÉLDER FERNANDES

Luanda, Julho de 1975. Que fazer? Ficar é regredir? Sair e progredir? O sonho de um país livre, inclusivo, independente, tinha-se esfumado. Não existe propósito para ficar. Resta partir. O cordão umbilical está cortado. Há que decidir para onde partir.

MARIANA GONÇALVES

Estivemos lá há 21 anos. Foi em Benguela que tirei o magistério.



CÉLIA RODRIGUES

No início, a sensação de liberdade incondicional, euforia, cantares revolucionários, as cartas da Tia Didinha e da Ana Maria Mão de Ferro empolgantes e imbuídas no ideário comunista, ir na onda e a perspetiva de uma mudança sedutora. Uma Angola multicolor, rica e atraente, globalizante e a albergar todos unidos com o mesmo propósito, o de se viver em harmonia e paz. Angola chegava para todos, segundo o meu Pai. A minha Mãe, sempre a alertar e a ver ao longe: ” Fernando, vamos preparar-nos para nos irmos embora…”

Na fase seguinte, o retorno para a metrópole: as incertezas do regresso,  as horas e dias em filas de espera no aeroporto, os 5 contos por cabeça, as casas, mobílias e outros bens deixados a pessoas incógnitas, o tiroteio, os colchões no chão, o morteiro caído nas traseiras do prédio, a guerra dentro da cidade entre as delegações do MPLA, FNLA e UNITA todos ciosos pelo poder, a sensação de impotência, uma parte da vida e do trabalho dos meus Pais sepultada, as filas para os bens essenciais alimentares e outros, o adeus ao meu Pai da janela do avião e de pensar que nunca mais o via, a empregada a chorar desesperada e a querer vir com a nossa família no “Puto” (Portugal); o terror quando fomos abordados por jovens soldados (crianças) empunhados com metralhadoras e a exigirem dinheiro, tabaco e whiskey; o medo e a apreensão, uma constante do dia a dia; os caixotes amontoados no cais em Lisboa e a procura dos mesmos com os parcos haveres; a viagem com magalas no comboio para o Porto e o atordoamento em relação à nova vida. A receção da Família e o conforto por não nos sentirmos sozinhos mas o orgulho de não sermos pesados para ninguém. A perda do meu Pai e Avó materna, o caos nas nossas vidas. Uma Mãe Guerreira que não se deixou vergar, nem humilhar e apesar dos dissabores da vida, um modelo a seguir, uma inspiração!

Hoje: a de nostalgia e sem o saber, o período antes da guerra, foi a minha época dourada, a idade da inocência…

Feriado nacional e uma das datas mais importantes da história portuguesa contemporânea, o Dia da Liberdade é celebrado anualmente com diversas atividades culturais, cívicas e educativas, como desfiles, concertos, exposições e debates. É também um dia de homenagem aos heróis da revolução e aos valores da democracia.

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