​Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

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                                       A pobreza é a pior forma de violência. Mahatma Gandhi

Precisamente há 35 anos atrás neste dia, mais de 100 000  pessoas reuniram-se em Paris no local onde a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada para homenagear as vítimas de pobreza extrema e fome, reconhecendo a pobreza como uma violação dos Direitos Humanos que necessita de ser erradicada. Assim este dia pretende ser uma homenagem e lembrança aos milhões de pessoas que sofrem com a pobreza ao redor do mundo, urgindo à união, solidariedade e ação concreta de todos/as de forma a combater esta maleita e dar condições  às pessoas em situação de pobreza de saírem da mesma. 

Através da resolução 47/196, adotada em 22 de dezembro de 1992, o dia 17 de outubro foi proclamado como o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Este dia é também  uma oportunidade para reconhecer o esforço e a luta das pessoas que vivem na pobreza, discutir as responsabilidades do Estado e da Sociedade Civil e dar voz a quem sofre as mais variadas formas de pobreza, proporcionando a  participação nas decisões que afetam a sua vida rumo a um futuro mais sustentável e sem pobreza. Aliás,  a década de 2018-2027 foi declarada pelas Nações Unidas como o período para a Erradicação da Pobreza em consonância com a Agenda 2030 que tem como número 1 o mesmo objetivo e número 2 a Erradicação da Fome.

O tema central deste ano é “Dignidade para todos/as na prática”. O conceito de dignidade é o pilar da Declaração Universal dos Direitos Humanos e deve ser reconhecida e inerente a todas as pessoas sem exceção. A realidade, contudo, é que o tratamento digno não é comum a todos/as os/as seres humanos em particular, às pessoas em situação de pobreza que, pela sua situação de vulnerabilidade, muitas vezes são tratadas como incapazes e dependentes pela sociedade em geral e, não raras as vezes, pelas instituições que as apoiam.

De acordo com a estratégia da Comissão Europeia no plano de ação sobre o pilar europeu dos direitos sociais, o objetivo é retirar 15 milhões de pessoas da situação de risco de pobreza ou exclusão social até 2030, das quais 5 milhões são crianças.

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​A pobreza no Mundo: realidades e tendências

Contudo esta realidade está cada vez mais longe de ser alcançada como mostram as estatísticas e tendências mundiais.

Embora seja produzido o suficiente para alimentar os 8 biliões de pessoas no mundo, o facto é que os números mostram-nos outra realidade:

  • 610 milhões de pessoas vive em extrema pobreza (fonte: WP);
  • 828 milhões de pessoas passam fome (fonte: WFP);
  • 2 biliões de pessoas vivem sem acesso a água potável;
  • 3,6 biliões sem saneamento (fonte OMS e UNICEF);
  • 1,3 biliões vivem em pobreza multidimensional (fonte: PNUD)
  • Mais de 4 anos de progresso em relação ao combate à pobreza foram eliminados devido ao COVID-19;
  • 1 em cada 10 pessoas vive com menos de 2 dólares por dia.

A desigualdade de oportunidades, incluindo o acesso a serviços essenciais, e a desigualdade de género persistem, enquanto a desigualdade de renda aumenta a cada ano, o fosso entre ricos e pobres é cada  vez maior. No ano passado, enquanto milhões lutam em prol dos direitos dos trabalhadores e da qualidade do emprego para sobreviver ao dia seguinte, o poder corporativo e a riqueza da classe bilionária registaram um aumento sem precedentes.

É importante refletir nas várias dinâmicas da pobreza, levando a discussão não apenas à falta de dinheiro, mas às suas causas que, por sua vez, trazem múltiplas consequências como é o caso da marginalização e impedimento na participação ativa na vida pública e política, adensando as decisões e cargos de poder nas classes mais ricas que representam os seus interesses, deixando – como vimos anteriormente – 800 milhões de pessoas à mercê de políticas que não têm em consideração a sua dignidade, cidadania e Direitos Humanos. A violência que é proporcionada pela pobreza possui várias nuances muitas vezes silenciosas e camufladas tais como a exclusão social, discriminação estrutural e ausência de dignidade que atira as pessoas para um estado de pobreza que se torna muito difícil de combater.

De facto, o combate à pobreza tornou-se prioridade e um destaque na agenda Global das Nações Unidas, mas a verdade é que estamos cada vez mais longe de atingir o objetivo da erradicação da pobreza. Segundo um novo estudo do Banco Mundial, é improvável que o mundo consiga atingir a meta de erradicação da pobreza extrema até 2030

Esse mesmo estudo considera que a Covid-19 causou o maior revés nos esforços globais para a redução da pobreza desde a década de 90, e a guerra da Ucrânia ameaça piorar a situação. A pandemia levou quase mais 70 milhões de pessoas à pobreza extrema em 2020, causando o maior aumento desde que se monitoriza estes dados. No final desse mesmo ano 719 milhões de pessoas sobreviviam com menos de 2,21 euros por dia. Pela primeira vez em décadas a desigualdade global aumentou.

“Ao longo da próxima década, será fundamental investir em melhorar os índices de saúde e educação para as economias em desenvolvimento, considerando as graves perdas de aprendizagem e as dificuldades enfrentadas na área de saúde durante a pandemia,” disse Indermit Gill, Economista-Chefe e Vice-Presidente Sénior para Economia do Desenvolvimento do Banco Mundial. “Em tempos de dívida recorde e escassez de recursos fiscais, não será fácil. Os governos precisarão concentrar os seus recursos na construção do capital humano e na maximização do crescimento.” Segundo o mesmo relatório será necessária uma intensificação da cooperação global ao mesmo tempo que serão fulcrais reformas políticas nacionais.

A África Subsariana concentra atualmente 60% de todas as pessoas em situação de pobreza extrema — 389 milhões, mais do que em qualquer outra região. A taxa de pobreza na região está em torno de 35%, a mais alta do mundo. Para alcançar a meta de 2030, cada país na região deveria apresentar um crescimento de 9% ao ano no PIB per capita até o fim desta década. 

Além disso, a emergência climática constitui uma nova violência contra as pessoas que vivem na pobreza, uma vez que essas comunidades são sobrecarregadas indevidamente por ocorrências mais frequentes de desastres naturais e degradação ambiental, levando à destruição de suas casas, plantações e meios de subsistência como vimos acontecer recentemente com as cheias no Paquistão e como acontece com a seca no Afeganistão.

“A destruição do meio ambiente, do ecossistema e da biodiversidade faz com que as famílias que vivem na pobreza sofram mais do que qualquer outra pessoa.” (Christian, ativista pela justiça social e ambiental, RDC).

A Pobreza em Portugal

O relatório Poverty Watch Portugal 2022, dá-nos uma perspetiva detalhada sobre a pobreza em Portugal bem como as principais consequências dos acontecimentos mundiais dos últimos anos na população nacional.

À semelhança das tendências mundiais, o aparecimento da COVID-19 e da guerra na Ucrânia produziu impactos significativos na pobreza em Portugal:

  • regiões autónomas apresentam taxas de maior risco de pobreza: Açores (24,2%) e Madeira (21,9%);
  • Algarve (21,6%);
  • Norte (21,1%).

Em Portugal, em 2021, a taxa de risco de pobreza e exclusão social subiu para 22.4% (20% no ano anterior), colocando mais de 2,3 milhões de pessoas a viverem abaixo do limiar de pobreza, em condições de privação material severa ou com vínculos fracos ao mercado do trabalho em dados divulgados pelo INE. Já a taxa de pobreza, que abrange apenas indivíduos com rendimentos abaixo do limiar de pobreza (554 euros líquidos mensais), subiu aos 18,4%, abrangendo 1,9 milhões de pessoas. Este número poderia ascender aos 23% não fossem as transferências sociais feitas pelo Estado. Sem a existência de proteção social, a taxa de risco de pobreza em Portugal chegaria aos 43,5%.

O recente relatório do Eurobarómetro Primavera 2022 revela dados interessantes relativamente à opinião dos/as portugueses/as relativamente aos valores europeus e às tendências económicas, considerando a manutenção do custo de vida e dos preços como a principal prioridade. Outros dados interessantes do inquérito feito são:

  • 56% dos nacionais que responderam ao inquérito referiram que não estão confiantes de que a sua vida não sofrerá mudanças em virtude da guerra;
  • 74% referiram não estar preparados/as para enfrentar uma subida dos preços da energia e uma subida do preço dos alimentos. 
  • 57% (40% para a UE) referem que as consequências da guerra na Ucrânia já reduziram o seu nível de vida e prevêem que continuará ao longo do próximo ano. 
  • O facto de a guerra ter afetado os níveis de vida das pessoas é uma realidade para quase todas as categorias profissionais, mas com grande relevância (100%) para as domésticas/domésticos, trabalhadores por conta própria (98%), gerentes (97%) e desempregados (95%). 
  • A dificuldade de pagar as contas é uma realidade para 96% dos/as respondentes.

Por outro lado, a questão da habitação continua a ser um dos principais problemas dos agregados familiares e que os coloca em situação de pobreza. Consultando o último relatório sobre exclusão habitacional em Portugal, 14.3% dos agregados pobres vivem em condições de sobrelotação; 7.2% dos agregados pobres experienciam privação habitacional severa; 36.4% dos agregados pobres vivem em condições inadequadas. Portugal assume, neste caso, o 3º lugar no conjunto dos diferentes Estados Membros. 

A pobreza energética, por seu turno, é um dos centros de preocupação atuais já que mais de ⅓ da população vive nesta situação (não tem condições financeiras para aquecer a casa no inverno e mantê-la fresca no verão), percentagem esta que sobe para 56% quando falamos da população que vive abaixo do limiar da pobreza. O aumento dos preços da energia e gás são, portanto, factores de preocupação dado o perigo de aumentar o número de pessoas em situações de vulnerabilidade e pobreza. “A maior parte das pessoas pobres economicamente é também pobre energeticamente, mas também se chegou à conclusão que há pessoas que não são pobres economicamente, mas são-no energeticamente”. refere Eduardo Moura, diretor-adjunto de Sustentabilidade, na EDP.

Um estudo sobre a pobreza energética realizado pela EDP e o ISEG concluiu que Portugal é um dos países com maior percentagem de pobres, energeticamente falando e um dos países Europeus com menos políticas neste sentido.

Contudo, apresentou, também, três simples soluções que permitiriam reduzir 91% do gap, deixando apenas cerca de 1% da população em situação de Pobreza Energética:

  • Calafetagem de janelas: concluiu-se que seria possível reduzir 6% do gap, representando um custo de 9 milhões de euros, ao longo de 10 anos.
  • Isolamento de coberturas: concluiu-se que seria possível reduzir 25% do gap com esta medida, representando um custo de 95 milhões de euros, ao longo de 50 anos
  • Ar condicionado (em 50% das divisões da habitação): conclui-se que seria possível reduzir 73% do gap, representando um custo de 324 milhões de euros, ao longo de 20 anos.

Em 2021 foi criada e aprovada a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e Exclusão Social na qual Portugal assumiu o compromisso de, até 2030, de atingir as seguintes metas:

  • reduzir a taxa de pobreza monetária para o conjunto da população para 10 %, o que representa uma redução de 660 mil pessoas em situação de pobreza; 
  • reduzir para metade a pobreza monetária no grupo das crianças, o que representa uma redução de 170 mil crianças em situação de pobreza; 
  • aproximação do indicador de privação material infantil à média europeia, em pontos percentuais; 
  • reduzir para metade a taxa de pobreza monetária dos/as trabalhadores/as pobres, o que representa uma redução de 230 mil trabalhadores/as em situação de pobreza; 
  • reduzir a disparidade da taxa de pobreza dos diferentes territórios até ao máximo de 3 pontos percentuais em relação à taxa média nacional.
Em Portugal a EAPN tem também alguns eventos preparados em todo o país dedicados a este dia e que podem ser consultados aqui: https://www.eapn.pt/category/even
Fontes:
  • International Day for the Eradication of Poverty | UNESCO. (n.d.). Www.unesco.org. Retrieved October 16, 2022, from https://www.unesco.org/en/days/poverty-eradication
  • International Day for the Eradication of Poverty, 17 October 2022 | DISD. (n.d.). Www.un.org. Retrieved October 16, 2022, from https://www.un.org/development/desa/dspd/2022/10/2022-international-day-for-the-eradication-of-poverty/
  • International Day for the Eradication of Poverty 2022 | Poverty Eradication. (n.d.). Www.un.org. https://www.un.org/development/desa/socialperspectiveondevelopment/international-day-for-the-eradication-of-poverty-homepage/2022-2.html
  • EAPN. (2022, September 9). Comemorações do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza – 17 de outubro. EAPN. https://www.eapn.pt/eventos/comemoracoes-do-dia-internacional-para-a-erradicacao-da-pobreza-17-de-outubro/
  • O avanço global na redução da pobreza extrema está estagnado. (n.d.). World Bank. Retrieved October 16, 2022, from https://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2022/10/05/global-progress-in-reducing-extreme-poverty-grinds-to-a-halt
  • Vidas instáveis: Construir o futuro num mundo em transformação Tempos incertos, DESENVOLVIMENTO HUMANO. (n.d.). https://hdr.undp.org/system/files/documents/global-report-document/hdr2021-22overviewpt1pdf.pdf
  • Poverty Watch PORTUGAL 2022 EAPN Portugal 2022. (n.d.). Retrieved October 16, 2022, from https://www.eapn.pt/wp-content/uploads/2022/09/Poverty-Watch-Report_Portugal_PT_2022.pdf
  • — SDG Indicators. (n.d.). Unstats.un.org. https://unstats.un.org/sdgs/report/2022/Goal-01/
  • Pobreza Energética em Portugal. (n.d.). Edp.com. Retrieved October 16, 2022, from https://www.edp.com/pt-pt/historias-edp/pobreza-energetica-em-portugal‌
  • Faria, N. (n.d.). Portugal é o 8.o pior na lista de países com maior risco de pobreza ou exclusão social. PÚBLICO. Retrieved October 16, 2022, from https://www.publico.pt/2022/09/15/sociedade/noticia/22-populacao-portuguesa-risco-pobreza-exclusao-social-acima-media-uniao-europeia-2020666
  • Portugal tem maior agravamento da pobreza em 2021 e passa a 8.o pior da UE. (n.d.). Www.jornaldenegocios.pt. Retrieved October 16, 2022, from https://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/portugal-tem-maior-agravamento-da-pobreza-em-2021-e-passa-a-8-pior-da-ue