Entrevista a uma cidadã Iraniana sobre os protestos no Irão

Como se encontra a situação atualmente no Irão? Como é que o governo está a reagir aos protestos que estão a acontecer?

Neste momento os protestos continuam a acontecer por todo o país. O governo continua a reprimir os protestantes atacando-os nas ruas com armas, tais como bastões, pistolas de ar ou armas de paintball de forma a marcar os protestantes e serem capazes de os encontrar mais tarde na multidão, caso tentem fugir. Em algumas cidades, há notícias de que o governo começou a disparar contra manifestantes com armas de guerra a partir de um helicóptero. Esta semana, muitos estudantes universitários protestaram dentro do próprio campus da universidade, sendo que o governo decidiu fechar todas as portas e encurralar os alunos. Ainda não há notícias do que aconteceu dentro daquelas portas e quantas pessoas foram mortas/feridas. Ontem os estudantes do ensino secundário também começaram a protestar nas ruas e nas escolas.

 

O que quer que as pessoas saibam sobre as Mulheres no Irão e a situação relativa aos Direitos Humanos?

Muitas pessoas na Europa não sabem que somos uma população de pessoas instruídas, com uma cultura rica e antiga. Infelizmente, a visão que têm do Irão é o atual governo e a sua violência, que não reflete a nossa cultura e estado de espírito. Este governo criminoso é/está podre e o povo do Irão odeia-os. Eles são cruéis para os iranianos e são a razão pela qual a pobreza, a depressão e a raiva tenham aumentado tanto. O governo é também responsável por ter criado um grande fosso entre homens e mulheres. Como exemplo, há uma taxa a pagar quando uma pessoa é morta no Irão, sendo que se a pessoa morta for um homem, o preço a pagar é o dobro do de uma mulher. Outros exemplos incluem homens (marido ou pai) a terem controlo sobre as viagens de uma mulher (esposa/filha). Se o homem quiser, pode pedir ao governo que não permita que essa mulher saia do país. Ainda outros exemplos incluem a mulher (por defeito) não ter autorização a pedir o divórcio, a menos que o especifiquem nas cláusulas do casamento. Após o divórcio, as mulheres não têm o direito à custódia dos filhos. O governo reprime as raparigas desde que começam a escola, obrigando-as a usar hijab, a ter um estudo religioso e aulas de Alcorão como parte do programa de estudos. Mais recentemente, removeram também todas as imagens e fotografias de meninas/raparigas dos manuais escolares, deixando apenas os meninos/rapazes. Estas coisas podem parecer demasiado triviais para serem mencionadas, mas cada pequeno detalhe está a moldar a mentalidade das nossas crianças no sentido de um futuro cada vez mais machista.

Falando de Direitos Humanos, o governo do Irão não tem respeito para com os seus cidadãos. Eles mataram, e continuam a matar, todas as pessoas que consideram perigosas para eles. Também já bombardearam aviões e provocaram “acidentes” em comboios, levando à morte de centenas de pessoas, tudo de modo a manterem os seus benefícios em segurança. O governo também é cruel para com as minorias que não são do mesmo ramo do Islão. As regiões do país que possuem mais muçulmanos sunitas são as que enfrentam ainda mais crueldade. Matam-nos facilmente e fazem de tudo para os privar de educação, ao ponto da população normal estar constantemente, de forma voluntária, a tentar construir escolas nestas regiões. Além disso, como devem imaginar, muitos dos direitos humanos básicos continuam a não ser aceites pelo regime. Como exemplo, as pessoas LGBTQ são condenadas à morte, porque é contra o Islão. A guerra em curso entre os cidadãos e o governo deve-se a toda a crueldade que eles têm feito tanto para com as mulheres, como para com os homens. Esta é uma guerra pela liberdade para todas as pessoas no Irão.

 

Acreditas que a morte da jovem Mahsa Amini irá representar alguma mudança estrutural?

Os atuais protestos foram de facto provocados pela morte infeliz e cruel de Mahsa Amini, mas estes protestos (que duraram muito mais tempo do que qualquer outro protesto neste regime) derivam de muitas outras razões. Em resumo, os Iranianos estão cansados da situação que este governo tem provocado no nosso país. Já devem ter ouvido falar da recente canção do Shervin – Baraye, que refere algumas das razões pelas quais as pessoas estão a lutar por uma mudança no nosso país. Talvez esta canção, para não-Iranianos, seja apenas um conjunto de frases tristes, mas para todos os Iranianos, cada uma destas frases traz de volta um conjunto de más recordações. Shervin foi preso alguns dias após a sua canção se ter tornado viral.

 

Vários protestos já aconteceram no Irão desde 1979, mas o governo encontra sempre uma forma de os travar. O que esperas que seja diferente desta vez?

As pessoas sempre foram contra este regime. Prometeram muitas coisas desde o dia em que chegaram ao poder, como gás natural gratuito para todas as casas no Irão. Não cumpriram nenhuma das promessas que fizeram e, além disso, todos os dias estão a destruir cada vez mais a natureza do Irão, levando à extinção de espécies animais que só se encontram naquela região. Desta vez os protestos são diferentes. Têm durado muito mais tempo do que das outras vezes. Desta vez as pessoas estão tão cansadas que não têm nada a perder, por isso continuarão a lutar, e quanto mais lutam, mais furiosas ficam.

 

O que é que nós (sociedade portuguesa) podemos fazer para apoiar as pessoas do Irão?

Neste momento penso que o povo português e o resto das pessoas no mundo podem contribuir para esta guerra de Direitos Humanos assinando petições e partilhando informações com o resto do mundo. O governo iraniano cortou o acesso à internet para que as notícias não sejam partilhadas com tanta frequência, oshashtags não se repetem tanto no Instagram e os tweets não são retweetados no Twitter. Ao retweetar e ao usar as hashtags no Instagram, mantemos as suas vozes vivas e mostramos aos políticos que esta guerra ainda está em curso. Talvez as Nações Unidas ouçam as nossas vozes e ajude os Iranianos.

 

Por questões de segurança da pessoa entrevistada, ocultamos a sua identidade.