Entrevista com Sara García da Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto en El Salvador (Grupo de Cidadãos pela Despenalização do Aborto em El Salvador)

A RWP entrevista Sara García, Coordenadora de Alianças e Incidência Política na Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto en El Salvador, organização que luta pelo reconhecimento dos direitos reprodutivos em um dos países mais restritivos do mundo nesta matéria.
 

RWP: Qual é o panorama geral dos direitos das mulheres em El Salvador?

Sara: A melhor maneira de introduzir este ponto é retomar o comunicado que foi tornado público em 25 de novembro de 2023 pela Assembleia Feminista [1]. O comunicado afirma que El Salvador se tornou um dos três países mais perigosos da América Latina para as mulheres e raparigas viverem. De acordo com a declaração, nos últimos três anos foram documentados 28 casos de femicídios de raparigas e adolescentes, e 5.203 casos de violência sexual em 2022.

Vivemos num país que promoveu uma política repressiva chamada controlo territorial que promete segurança à custa de retrocessos democráticos e do aumento da presença militar. No entanto, as mulheres, as raparigas e os dissidentes de género já não estão seguros.

Quase dois anos após o início do regime de exceção em El Salvador, as desigualdades aprofundaram-se, impulsionando o populismo punitivo e a necropolítica. Este regime anulou as garantias constitucionais, levando à detenção de mais de 75.000 pessoas, muitas delas inocentes. Este facto tem conduzido a contextos de medo e repressão, situação que coloca em risco os defensores dos direitos humanos e os jornalistas, que são estigmatizados e atacados quando criticam ou denunciam violações dos direitos humanos.

Em relação aos direitos das pessoas transgénero, o reconhecimento da sua existência e identidade continua a ser uma dívida histórica. O direito à existência é negado, afectando a qualidade de vida, o acesso à educação e à saúde. Os direitos fundamentais das pessoas transgénero são violados devido ao ódio e às políticas transfeminicidas do Estado salvadorenho.

RWP: E quanto ao direito ao aborto?

Sara: El Salvador é um dos seis países da América Latina e das Caraíbas com uma das leis mais restritivas do mundo em matéria de aborto, o que tem consequências para a vida das mulheres salvadorenhas. A prisão como resposta do Estado às questões dos direitos sexuais e reprodutivos é apenas um exemplo da violência institucionalizada que as mulheres sofrem ao longo do seu ciclo de vida. A criminalização do aborto desencadeou uma série de consequências para a vida e a saúde das mulheres, que foram registadas pela Agrupación CIudadana por la Despenalización del aborto e que podem ser claramente evidenciadas nos casos de Manuela e Beatriz perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Aqui pode encontrar informações sobre o caso da Manuela:
https://reproductiverights.org/wp-content/uploads/2020/12/crr_toolkit_Manuela_Sp. pdf

Aqui estão as informações sobre o caso da Beatriz:
https://justiciaparabeatriz.org/

O Estado salvadorenho não gera condições para que as mulheres e as pessoas com capacidade de gerar filhos tenham o direito de decidir sobre sua vida, saúde e integridade física. Elas enfrentam violência reprodutiva e injustiças que têm graves consequências para sua autonomia e dignidade.

RWP: Notou uma mudança na consciência da população (mulheres e homens) sobre esta questão nos últimos tempos?

Sara: Graças às lutas feministas e à solidariedade regional, os imaginários sociais transformaram-se. Mais pessoas, organizações e colectivos participam na denúncia da proibição total do aborto. Isto pode ser visto nas acções de rua e na incorporação desta exigência na agenda dos direitos humanos. Há também indícios, através de inquéritos, de mudanças nas percepções e opiniões:

https://www.revistafactum.com/iudop-aborto/

RWP: Quais são as penas para as mulheres que praticam o aborto no país?

Sara: A criminalização absoluta do aborto leva à clandestinidade e à negação dos direitos fundamentais das mulheres. Há mulheres que enfrentam a criminalização, que enfrentaram penas injustas de até 50 anos de prisão. As mulheres enfrentaram a violência no sistema de saúde e a mortalidade materna por não terem acesso ao aborto terapêutico. Para além disso, as mulheres defensoras dos direitos humanos enfrentam estigmatização e campanhas de difamação.

RWP: Sente-se segura para lutar pelos direitos das mulheres no seu país? Existem represálias, sanções ou perseguições?

Sara: As lutas sociais e feministas em El Salvador apresentam grandes obstáculos, sobretudo devido ao atual governo, que tem promovido retrocessos democráticos e um contexto de perseguição que ameaça o direito à defesa dos direitos.

RWP: Como funciona a vossa organização? Quais são os projectos e os objectivos?

Sara: Organização multidisciplinar, composta por pessoas que estabeleceram como principais objectivos promover a sensibilização da opinião pública para alterar a legislação existente sobre o aborto no país; defender legalmente as mulheres que foram condenadas ou estão a ser acusadas por abortos, emergências obstétricas ou crimes relacionados; divulgar na sociedade a necessidade de as mulheres receberem assistência adequada para garantir a sua saúde sexual e reprodutiva, para que não sejam obrigadas a recorrer a abortos inseguros que ponham em risco as suas vidas.

RWP: Quem são os 17?

Sara: No final de 2013, foi consolidada uma estratégia de advocacia colectiva denominada “Las 17: no dejemos que sus vidas se marchiten” (As 17: não deixemos que as suas vidas murchem), utilizando a analogia de uma flor, posicionando a história de 17 mulheres que tinham sido injustamente presas, denunciadas por aborto e condenadas por homicídio agravado. A estratégia consistiu na apresentação de 17 pedidos de indulto à Assembleia Legislativa, apresentados em abril de 2014. Para além da eficácia da estratégia, esta permitiu um forte posicionamento nacional e internacional do tema, mobilizando acções nas redes sociais, manifestações nas embaixadas de El Salvador noutros países e solidariedade.

A identidade de “Las 17” foi construída com base numa estratégia de comunicação e socialização nas redes sociais. O objetivo de tudo isto era humanizar a realidade do aborto em El Salvador e também ter um impacto subjetivo nas mulheres na prisão, favorecendo a consolidação de uma identidade colectiva, que lhes permitiu acompanharem-se mutuamente na difícil realidade da prisão. Paralelamente à estratégia do indulto, continuaram a ser exploradas outras vias acima referidas. Isto conduziu à libertação de todas as mulheres que se encontravam na prisão até à data.[2]

https://las17.org/

Entrevista concedida por Sara García, Coordenadora de Alianças e Incidência Política na Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto en El Salvador. https://agrupacionciudadana.org/

Referências:

[1] https://twitter.com/AsambleaFemSV

[2] http://www.ciep.unsam.edu.ar//wp-content/uploads/2021/07/0.Tesis_LATMA_ciep_2018_2019_B.pdf

Imagem de capa: Organizaciones colitigantes del caso Beatriz vs El Salvador ante la Corte IDH.

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