Desde 2017, milhares de pessoas da etnia Rohingya vêm fugindo de Mianmar (antiga Birmânia), considerado o maior êxodo do mundo contemporâneo. Esse deslocamento tem ocorrido devido a uma forte e brutal repressão do exército, que os ignora enquanto população.
O país e a repressão
Mianmar é um país com aproximadamente 53.8 milhões de habitantes e 100 etnias. Entre estas, os Rohingya são uma das mais antigas que convivem na região. Muçulmanos e de origem tibetano-birmanesa, concentram-se, em maioria, no estado de Rakhine, ao oeste do país, local onde tem sido palco de uma intensa violência entre budistas e muçulmanos.
Apesar de uma população significativa (cerca de 1 milhão de habitantes), o governo não os considera cidadãos, a negar sua própria linguagem, além de direitos como o casamento, posses de terra e a permissão para se deslocar por entre os territórios. Nesse contexto, a recusa da própria existência dos Rohingya emergiu juntamente com uma extrema repressão do Estado de Mianmar, de maioria budista, cuja rivalidade contra grupos muçulmanos tem um longo passado histórico.
As agressões contra os Rohingya, na realidade, arrastam-se desde 1990. Todavia, em 2017 o estado de Rakhine assistiu a um brutal aumento da violência, que provocou o êxodo de importante parte da população. Segundo uma investigação realizada pela equipa de Direitos Humanos da ONU, tratou-se de uma ofensiva do governo de Mianmar com o objetivo de não somente abalar os Rohingya, mas expulsá-los do país.
https://www.un.org/geospatial/content/myanmar
O deslocamento à Bangladesh
Em desespero, na altura do agravamento da violência e repressão, em 2017, mais de 700.000 Rohingyas fugiram de Mianmar em direção à Bangladesh, país vizinho. Os fluxos de deslocamento entre Mianmar e Bangladesh são caracterizados por dias de caminhada, a atravessar montanhas, florestas ou o mar, utilizando embarcações abarrotadas pelo Golfo de Bengala. Assim, muitos tendem a chegar doentes, exaustos, esfomeados e em condições físicas extremamente precárias.
https://expresso.pt/internacional/2022-12-03-Migracoes-ONU-alerta-para-aumento-dramatico-de-travessias-no-mar-de-Andamao-20361d0b
https://www.worldatlas.com/bays/bay-of-bengal.html
A superlotação dos campos de refugiados em Bangladesh
Segundo o governo de Bangladesh e os dados divulgados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), 938.280 refugiados estão organizados em 33 campos no país, mais especificamente no distrito de Cox’s Bazar, em uma situação de superlotação que reforça a real emergência humanitária. Outros 33 mil refugiados ainda foram realocados na ilha Bashan Char, no distrito de Noakhali.
O país não tem conseguido lidar com a imensa demanda humanitária, então diversas organizações têm tentado auxiliar. Entretanto, a região de Cox ‘s Bazar passou por múltiplos desastres, incluindo queimadas, desabamentos de terra e ciclones, o que somente piorou a precariedade da vida dos Rohingya.
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA), que avaliou o contexto nutricional dos refugiados abrigados nos campos, a situação se agravou consideravelmente no último ano, pois a percentagem de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar aumentou cerca de 11% em cinco meses, de 79% em junho para 90% em novembro de 2023.
A afronta aos direitos humanos
O cenário que se desenha na situação dos refugiados ignora veementemente os direitos humanos mais básicos inerentes às pessoas, apontando para um genocídio cruel. A Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) afirma que genocídio configura-se como quaisquer uma das ações seguintes, realizadas pela intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo étnico, racial, ou religioso, como: a) assassinato de pessoas do grupo; b) provocar danos à integridade física ou mental de membros do grupo; c) impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial; (d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo; (e) Transferir à força crianças de um grupo para outro.
Ignorados, assaltados, humilhados, violentados e expulsos, os Rohingya clamam pelo mínimo de dignidade em Mianmar, país onde muitos nasceram e foram negados desde o início de suas vidas. Trata-se de um afronte contra os valores que amparam a dignidade da pessoa humana presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que parece ser cada vez mais somente um amontoado de palavras esquecidas pelo incessável passar do tempo.
Referências:
https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2017/12/13/budismo-islamismo-e-limpeza-etnica-no-mianmar/
https://news.un.org/pt/story/2023/07/1817767
https://news.un.org/pt/story/2024/01/1825647
Organização das Nações Unidas – ONU. (1948) Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Genocídio. Conferência Mundial sobre os direitos humanos. Paris: Autor.
Imagem de capa: English: Foreign and Commonwealth Office, OGL v1.0OGL v1.0, via Wikimedia Commons.
Artigo escrito pelo voluntário Vinicius Carabolante.
Vinicius Contin Carabolante: mestre em psicologia clínica e da saúde, especialista em psicologia social e antropologia e licenciado em psicologia. Brasileiro, imigrante, educador e admirador dos Encontros transformadores da vida. Sou uma pessoa de alma inquieta, viajante e defensor incansável dos direitos humanos.