Você sabe de onde vem a bateria do seu telefone?

Muito provavelmente, as baterias do seu telefone, computador e carro elétrico venham de minas de cobalto localizadas na República Democrática do Congo, sustentadas pelo trabalho infantil e abusos contra a população local.

 

A República Democrática do Congo é o segundo país mais extenso da África, sendo o 4º mais populoso e riquíssimo em recursos naturais, figurando como o maior produtor de cobalto do mundo. Apesar das riquezas naturais, o Congo-Quinxassa apresenta um dos piores índices de desenvolvimento humano e produto interno bruto em escala global. 

 

Tendo sofrido uma cruel colonização sob domínio belga e uma constante instabilidade política pós-independência, marcada por guerras civis, golpes de estado e epidemias, a população congolesa continua sofrendo com a exploração de seu território e mão de obra. 

 

O cobalto

Na busca por tecnologias de energia limpa o cobalto ganhou grande importância. A matéria prima foi considerada essencial pelos EUA e pela União Europeia por ser indispensável para a produção de baterias de íons de lítio utilizadas em smartphones, computadores e veículos elétricos. 

 

No entanto, o desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado sem que se considerem a proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos, mas a mineração levada a cabo de maneira irresponsável gera danos enormes à natureza como a erosão, poluição da água e do ar, destruição de ecossistemas, e acarreta profundos problemas sociais.

 

Desalojamento forçado

Segundo relatório da Amnistia Internacional e da IBGDH (Iniative pour la Bonne Gouvernance et le Droits Humaines), os casos de desalojamentos no território congolês para a exploração de cobalto são frequentes e são realizados de forma truculenta, sem consulta prévia ou consentimento da população local. 

Além disso, a indenização paga é irrisória e insuficiente para que os moradores reconstruam suas vidas em outro lugar, obrigando-os a viver em condições precárias, sem água potável, energia elétrica ou escolas nas proximidades.

 

Há também registros de povoados que desapareceram, como o caso de Mukumbi, região incendiada por soldados, que também agrediram os moradores. A expulsão de camponeses sem qualquer indenização e violação de mulheres por soldados durante o desalojamento também são frequentes.

 

Precarização do trabalho e mão de obra infantil

Os trabalhadores das minas artesanais enfrentam jornadas de trabalho de 12 horas diárias, além da ausência de materiais de proteção, exposição a altas temperaturas e a níveis alarmantes de cobalto com efeitos nocivos à saúde. Mortes são corriqueiras, mas a ausência de transparência impede que as organizações internacionais acessem números precisos.

 

 

Poço de acesso à mina de cobalto. Fonte: Amnistia Internacional e AfreWatch.

Há também inúmeras crianças trabalhando em minas artesanais de cobalto, cerca de 40mil, segundo a Organização Internacional do Trabalho. As crianças possuem jornadas de trabalho exaustivas e salários que vão de 1 a 2 dólares por dia. Casos de crianças enterradas vivas e gravemente feridas são frequentes.

Crianças trabalhando em uma mina no Congo. © Unicef/Patrick Brown

 

Transparência e justiça social

 

O cobalto extraído no Congo é comprado pela empresa congolesa CDM, que repassa a matéria prima à empresa chinesa Huayou Cobalt, que por sua vez, fornece cobalto a outras empresas fabricantes de baterias como: Ningbo Shanshan e Tianjin Bamo, chinesas, e a L&F Materials, sul-coreana, que compram o produto por milhões de dólares. As baterias fabricadas são responsáveis pelo abastecimento de enormes empresas com faturamento na casa dos bilhões.

 

Fonte: Amnistia Internacional e AfreWatch.

 

Gigantes como Apple, Tesla, Google e Sony são acusadas de participar desse sistema de exploração ilegal, sendo, inclusive, réus em um processo judicial nos Estados unidos que foi encabeçado por famílias congolesas cujos filhos foram vitimados em minas de cobalto no Congo.

 

Muitas grandes empresas alegam que são incapazes de investigar e garantir a procedência do cobalto utilizado em seus equipamentos eletrônicos, o que é considerada uma justificativa totalmente descabida, já que essas empresas possuem todos os recursos e meios para garantir a transparência de sua cadeia de produção em todos os níveis.

 

Além disso, o capital movimentado pelo setor de equipamentos eletrônicos, em contraste com a pobreza, indenizações e condições de trabalho da população congolesa, demonstram um desequilíbrio e desrespeito aos direitos humanos na RDC com aval, e suporte do governo congolês. 

 

É seguro dizer que o cobalto extraído na República Democrática do Congo não é fonte de energia limpa, mas sim parte de um sujo sistema de produção explorador que silencia e dizima a população do Congo, enquanto abastece o mercado consumidor global que enriquece, mais uma vez, as custas do sofrimento africano. 

 

 

Direitos humanos violados

 

Artigo escrito pela nossa voluntária Andressa Gomes
Licenciada em história, pós-graduada em relações internacionais e mestre em segurança e defesa. Brasileira e imigrante. Interessada em direitos humanos e apaixonada por aprender enquanto viaja. Atualmente vive no Porto, Portugal.

Fontes

Powering change or business as usual? Forced evictions at industrial cobalt and copper mines in the Democratic Republic of the Congo. IBGDH e Amnistia Internacional. 

Boas práticas na extração. Um Guia para os governos e parceiros para integrar o ambiente e os direitos humanos na governança do setor de mineração. UNDP.

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