Vozes Silenciadas: Desafios e Lutas pela Liberdade de Expressão

O que é o direito à liberdade de expressão?

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental que permite que as pessoas expressem as suas opiniões, crenças e ideias de forma livre, quer seja verbalmente, por escrito, através de obras de arte ou por outros meios de comunicação, sem interferência do governo. Este direito é reconhecido internacionalmente, e está presente no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 bem como no Artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) de 1966. O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que o direito à liberdade de expressão engloba a possibilidade de ter opiniões e receber e transmitir ideias sem interferências independentemente de fronteiras. Semelhantemente, o Artigo 19 do PIDCP protege a liberdade de expressão e informação, mas admite certas restrições para proteger a reputação de outros, a segurança nacional e a ordem pública, o que significa que este direito não é absoluto e pode ser limitado em certas circunstâncias. Estas restrições devem ser impostas de forma legítima e necessária, proporcionais ao objetivo a ser alcançado e aplicadas de maneira não discriminatória. Infelizmente, nem sempre este direito é restrito de forma legítima e necessária e é violado com grande frequência em várias partes do mundo. Este evento é retratado no Egito, Turquia e China, entre outros países.

Caso da Turquia

No caso da Turquia, o parlamento aprovou a chamada “lei de censura” a 13 de outubro de 2022, que aprofunda a censura online e restringe o acesso à informação. Esta lei concedeu ao governo o direito de controlar e, se necessário, restringir a liberdade de expressão online de formas impensáveis em qualquer democracia, ampliando o controle governamental sobre os sites de notícias online. A lei de censura pode legalmente silenciar a oposição e restringir ainda mais o espaço para debate público. Esta lei considera como ofensas criminais a divulgação de informações falsas (com definições vagas sobre o que constitui ‘falso’), com penas de prisão de um a três anos para quem publicar conteúdo nas redes sociais que dissemine informações incorretas e que criem medo, pânico ou perturbem a segurança interna e externa, ordem pública e saúde pública. O governo está autorizado a regular serviços de mensagens de voz e vídeo pela Internet, como o WhatsApp e Telegram. O Conselho da Europa emitiu uma opinião urgente declarando que a nova infração criminal ameaça a liberdade de expressão. A Amnistia Internacional criticou a legislação, afirmando que representa uma ameaça significativa para a liberdade de expressão online e a liberdade de imprensa na Turquia.

Um outro exemplo de muitos relativamente à violação à liberdade de expressão na Turquia é o caso da condenação injusta do defensor dos direitos humanos, Osman Kavala, e de quatro coarguidos que financiaram os conhecidos “protestos do Parque Gezi” contra as políticas autoritárias de Erdoğan em 2013. Osman Kavala foi condenado a 25 de abril de 2022 a prisão perpétua sem liberdade condicional e os outros arguidos foram condenados a dezoito anos de prisão. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que não havia base legal para a detenção, acusação ou condenação de Kavala e dos seus coarguidos, e que as detenções foram feitas com o propósito de silenciá-los. Porém, os tribunais turcos decidiram ignorar esta decisão e mantiveram as condenações. O caso de Kavala exemplifica como o sistema judicial turco é uma ferramenta de repressão política que despreza a independência dos tribunais e ignora as normas internacionais de direitos humanos. A Turquia enfrenta processos disciplinares por parte do Conselho da Europa por ignorar a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que apela à libertação imediata de Kavala e dos seus coarguidos.

Santos, Claudia dos. “Lembranças Dos Protestos Do Parque Gezi.” O Globo, October 11, 2015. https://oglobo.globo.com/mundo/lembrancas-dos-protestos-do-parque-gezi-17749313.

 

Caso do Egito

O Egito sob o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi tem vindo cada vez mais a deter aqueles que expressam as suas opiniões. Em 2023, no Egito, mais de 600 websites foram bloqueados e pelo menos 26 jornalistas foram detidos por acusações vagas de divulgação de notícias falsas ou uso indevido de redes sociais. Na preparação para a COP 27, centenas de pessoas, incluindo ativistas e jornalistas, foram presas, e os participantes da conferência enfrentaram assédio e vigilância. Cerca de 111 indivíduos foram presos desde dezembro de 2017 apenas por criticarem o governo e a situação dos direitos humanos no Egito. Inclusivamente, pelo menos dois comediantes foram presos por comentários satíricos online.

A 20 de agosto de 2023, o ativista político Hisham Kassem, foi detido ilegalmente pelas autoridades egípcias. Kassem foi julgado a 2 de setembro, sob acusações de difamação por criticar um ex-ministro do governo online. Kassem esteve preso durante 6 meses e foi libertado no dia 20 de fevereiro de 2024.

Caso da China 

A China é outro país que sofre muitas violações ao direito da liberdade de expressão. O Artigo 35 da Constituição de 1982 proclama que os cidadãos da República Popular da China têm liberdade de expressão, imprensa, reunião, associação, procissão e manifestação. Por outro lado, o Artigo 51 da Constituição defende que os cidadãos, no exercício das suas liberdades e direitos, não podem infringir os interesses do Estado, da sociedade ou da coletividade, nem as liberdades e direitos legítimos de outros cidadãos. Embora a Constituição de 1982 assegure a liberdade de expressão, o governo chinês muitas vezes invoca cláusulas de subversão do poder estatal e proteção dos segredos de Estado no seu sistema jurídico para deter aqueles que criticam o governo.

O governo chinês reconhece a importância de certos grupos terem a capacidade de expressar insatisfação, na condição de que tal seja feito de forma controlada. Apenas os membros de uma “elite de liberdade de expressão”, como líderes do Partido Comunista ou académicos, podem criticar abertamente o governo em meios oficiais e licenciados, como jornais ou conferências. O resto da população enfrenta restrições severas à liberdade de expressão, sendo obrigada a passar por um processo de autorização governamental para publicar qualquer opinião crítica. Além disso, o governo censura com frequência as redes sociais e outros meios de comunicação para evitar a expressão pública de descontentamento. Pode-se então chegar à conclusão de que na prática a liberdade de expressão não é um direito, mas sim um privilégio. 

Em abril de 2023, as autoridades libertaram o empresário Fang Bin que foi uma das primeiras pessoas a relatar o surto de covid-19, após três anos de detenção. Por outro lado, Zhang Zhan continua presa. Zhang Zhan fez uma reportagem sobre o coronavírus e depois disso desapareceu em Wuhan em maio de 2020. Poucos dias depois foi condenada a quatro anos de prisão por provocar distúrbios a nível nacional. Em junho de 2020, Zhang Zhan iniciou uma greve de fome para protestar contra a sua detenção, mas em dezembro, o seu corpo estava tão fraco que teve de comparecer em julgamento numa cadeira de rodas. Os jornalistas cidadãos foram a única fonte de informação em primeira mão relativamente ao surto de covid-19 na China. Como trabalham de forma independente dos meios de comunicação social controlados pelo Estado, os jornalistas enfrentam assédio constante por exporem informações que o governo prefere manter em segredo. Zhang Zhan deve ser libertada imediatamente, mas a sua libertação está prevista para maio de 2024, embora haja preocupações sobre a sua saúde e sobre a hipótese das autoridades prolongarem a sua detenção.

Luta contra o sistema, este direito pertence-nos!

A proteção da liberdade de expressão é essencial para a liberdade de imprensa, a diversidade de opiniões, o pluralismo, o debate público e a democracia. Num ambiente de liberdade de expressão, as pessoas participam no processo democrático, exercem os seus direitos civis e políticos, e contribuem para a formação da opinião pública. Além disso, a liberdade de expressão é uma condição necessária para o desenvolvimento humano, inovação, criatividade e progresso social. A luta contra a violação deste direito tão importante não pode cessar! Há muitas pessoas detidas injustamente que devem ser libertadas e compensadas agora. Esta luta tem de ser partilhada e falada o mais possível, não podemos deixar que estados hostis nos tirem os nossos direitos! Temos direitos humanos porque somos humanos, e nada nem ninguém nos pode privar deles.

Artigo escrito pela voluntária Elisa Mascarenhas.

O meu nome é Elisa Mascarenhas, tenho 20 anos e sou portuguesa. Estudo direito global na Tilburg University, na Holanda, com o objetivo de futuramente trabalhar na área de Direitos Humanos, concentrando-me em Direito Humanitário e crimes de guerra. O meu interesse por direitos humanos foi despertado durante o meu período de estudos no United World College of the Adriatic (UWC Adriatic), onde criei grande cumplicidade com pessoas de diversas nacionalidades, e através da convivência com amigos refugiados e migrantes tomei consciência da necessidade premente de ação e dedicação no âmbito dos Direitos Humanos.

Referências

 “Turkey: Dangerous, Dystopian New Legal Amendments.” Human Rights Watch, October 14, 2022. https://www.hrw.org/news/2022/10/14/turkey-dangerous-dystopian-new-legal-amendments

“Türkiye: Convictions of Osman Kavala & Four Others Needs Urgent International Response.” Amnesty International, October 11, 2023. https://www.amnesty.org/en/latest/news/2023/10/turkiye-convictions-of-osman-kavala-four-others-needs-urgent-international-response/.

“Human Rights in Egypt.” Amnesty International. Accessed March 5, 2024. https://www.amnesty.org/en/location/middle-east-and-north-africa/egypt/report-egypt/.

Al Jazeera. “Egyptian Court Gives a Government Critic Hisham Kassem 6-Month Sentence.” Al Jazeera, September 16, 2023. https://www.aljazeera.com/news/2023/9/16/egyptian-court-gives-a-government-critic-hisham-kassem-6-month-sentence.

“Freedom of Expression in China: A Privilege, Not a Right.” Freedom of Expression in China: A Privilege, Not a Right | Congressional-Executive Commission on China. Accessed March 5, 2024. https://www.cecc.gov/freedom-of-expression-in-china-a-privilege-not-a-right.

“Chinese Activist Paying Terrible Price for Public Health Advocacy.” Human Rights Watch, September 12, 2023. https://www.hrw.org/news/2023/09/11/chinese-activist-paying-terrible-price-public-health-advocacy.

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